Terça, 19 Abril 2022 11:21

Granjas gigantes investem em ovos de galinhas livres, mas setor recua

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Mesmo relatando prejuízos devido aos altos custos de produção, especialmente com a ração, as granjas Mantiqueira e Faria, duas gigantes do setor de ovos no país, continuam a investir na produção de ovos de galinhas livres de gaiola, os chamados “cage free” (fora de gaiola, em galpões) ou “free range” (que ficam soltas no galpão, com acesso diário a uma área externa, ao ar livre). No sistema convencional, também chamado de intensivo, as aves de postura são criadas em gaiolas com cinco a dez galinhas cada uma. Algumas granjas chegam a ter sete ou oito andares de gaiolas.

 

O Grupo Mantiqueira já produz mais de 1 milhão de galinhas livres de gaiola e está investindo em novas unidades. Para o sócio Leandro Pinto, a produção nesse sistema é um “caminho sem volta”. Denilson Dorigoni, CEO da Granja Faria, conta que o grupo já tem milhares de aves fora de gaiola em várias unidades e planeja chegar a 2 milhões nos dois próximos anos. Para os dois executivos, a tendência é esse tipo de produção crescer muito no país. 

 

Essa aposta não tem tanto respaldo entre especialistas do setor e donos de granjas menores. Juliana Farias, analista do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq-USP, diz que muitos produtores deixaram de lado os investimentos previstos no novo sistema nos últimos anos por causa dos seguidos meses de prejuízo.

 

“Teve a greve dos caminhoneiros, aumento de insumos, pandemia. Houve um recuo dos produtores e, apesar de grandes redes terem anunciado compromissos futuros de só passar a comprar ovos de galinhas livres de gaiola, não se vê no Brasil um movimento em massa nessa direção.”

 

Edival Veras, presidente-executivo do Instituto Ovos Brasil (IOB), concorda. Ele diz que há 17 meses os produtores trabalham com margens negativas, o que afasta qualquer plano de investimento.

 

“Houve recuo no sistema de galinhas sem gaiola e também no convencional. Durante 14 anos, o mercado cresceu 10% ao ano, mas a partir de 2020 sofreu o baque do aumento de custos da ração, que tirou muita gente da atividade. O milho, principal componente da ração, custava R$ 35 a saca e passou para R$ 100. A soja subiu 70%. Sem falar nos aumentos de energia, das vitaminas com preço em dólar e dos efeitos da guerra na Ucrânia.”

 

Segundo Veras, apenas 2% da produção brasileira de ovos é originada do modelo sem gaiolas. O dirigente acredita que o investimento nesse sistema deve ficar concentrado mesmo nas granjas que atendem as grandes redes de supermercados.

 

Cristina Nagano Yabuta, dona da Granja Nagano em Bastos (SP), foi uma produtora que reduziu investimentos devido aos custos altos e “aos prejuízos dos últimos três anos, nunca vistos antes no setor”. Ela iniciou há alguns anos uma criação com cerca de 2.500 galinhas livres de gaiola para atender demandas de alguns clientes e tinha planos de investir mais no sistema.

 

“Tive que desistir. O custo é 50% mais alto, o manejo exige mais cuidados com a questão sanitária, demanda mais colaboradores e não dá para repassar o preço real ao consumidor.” Além de reduzir investimentos, ela diminuiu também a produção convencional diária de 500 caixas de ovos para 320 caixas.

 

Cristina, que é secretária do Sindicato Rural de Bastos, diz que a redução de plantel e produção foi geral na cidade que disputa com a capixaba Santa Maria de Jetibá o título de capital do ovo. Eram 12 milhões de aves alojadas e agora são 8 milhões. Segundo ela, dos 57 produtores de ovos da cidade, cinco saíram da atividade nos últimos meses. “Uns foram para o Japão e outros se aposentaram.”

 

Houve redução de investimentos e saída de produtores da atividade também no Espírito Santo, que perdeu para Minas em fevereiro o segundo lugar no ranking dos maiores produtores de ovos do país, que é liderado por São Paulo. Nélio Hand, diretor-executivo da Associação dos Avicultores do Estado do Espírito Santo (AVES), diz que os projetos de investimento na produção de ovos fora de gaiola foram paralisados.

 

“Com essa crise, o produtor está tentando se manter ativo e qualquer tipo de investimento planejado foi suspenso para que a produção fosse mantida. Na minha opinião, o mercado de ovos de gaiola livres vai permanecer como nicho, principalmente em função dos custos que são maiores para se produzir e o consumidor brasileiro, de uma forma geral, ainda não está disposto a pagar mais por esse custo.”

 

Segundo Hand, mais de 30 produtores já tiveram que deixar a atividade no Estado, principalmente aqueles que atuavam no sistema de trabalho familiar. “Os reflexos também podem ser vistos nos médios produtores, com perspectivas de que alguns deste grupo saiam do negócio se essa crise persistir.”

 

O diretor-executivo estima que o plantel do Espírito Santo está próximo de 18,5 milhões de galinhas, sendo menos de 2% as galinhas que produzem ovos fora das gaiolas. Segundo dados da associação, a redução na principal cidade produtora, Santa Maria de Jetibá, foi de cerca de 20%: passou de 15 milhões de ovos por dia para 12 milhões, sendo 3,2 milhões originados na Granja Kerovos Alimentos, a maior do Estado.

 

As gigantes

A Mantiqueira, maior produtor de ovos comerciais do país, com 13,3 milhões de galinhas que botam mais de 2,7 bilhões de ovos por ano, firmou um compromisso em outubro de 2020 de só inaugurar granjas sem gaiolas. Para isso, investiu R$ 45 milhões na fase 1 da implantação de uma granja com padrão internacional recheada de tecnologia em Lorena, no interior paulista, que foi inaugurada em fevereiro.

 

O investimento no sistema deve somar R$ 120 milhões até 2023. Nessa unidade, já são produzidos 100 mil ovos por dia e a previsão é chegar a 1 milhão. Na fase 2, devem ser produzidos mais 1,8 milhão de ovos. Outra granja moderna está em construção em Formosa (GO), com capacidade para receber 240 mil galinhas.

 

Leandro Pinto conta que o plano de atingir 1 milhão de galinhas livres até o final de 2021 teve um pequeno atraso, mas em fevereiro, a empresa “pagou a multa” e chegou a 1.030.000. Além de Lorena, a empresa já produz ovos de galinhas livres em granjas adaptadas em Cabrália Paulista e Descalvado, ambas em São Paulo, e em Francisco Beltrão (ex-Gralha Azul), no Paraná, no sistema de integração com 38 produtores. A meta é chegar a um plantel de 2,5 milhões de galinhas livres até 2025.

 

“Produzir ovo sem gaiola tem um custo 30% maior, mas a Mantiqueira vai estar preparada para atender todos os parceiros que acreditam nesse projeto e quer ser a grande democratizadora do consumo desses ovos para toda a América Latina. É um caminho sem volta privilegiando o bem estar-animal, a sustentabilidade e a segurança alimentar. Acredito que até 2040 quem não investir em ovos fora de gaiola estará fora do mercado.”

 

Na Granja Faria, grupo que tem 10 milhões de galinhas produzindo 7,2 milhões de ovos comerciais por dia e outras 4 milhões produzindo 3,2 milhões de ovos férteis por dia, cerca de 1,2 milhão de galinhas já são criadas soltas em unidades no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Goiás. “Iniciamos com 50 mil galinhas soltas e fomos dobrando o volume ano a ano”, diz o CEO, acrescentando que o custo aumenta 50% na comparação com a criação nas gaiolas.

 

Dorigoni acredita que o negócio de aves livres vai crescer muito. “Muitas redes de restaurantes e outras empresas assumiram compromissos de passar a comprar apenas ovos de galinhas livres a partir de determinada data. A galinha livre é mais feliz, o que garante um pequeno plus na produção. Se tiver demanda, certamente vai ter oferta e escala, mas não dá para pensar que o custo será o mesmo do ovo convencional.”

 

Recuo também na Europa

A analista do Cepea diz que o caminho dos ovos livres de gaiola não está “tão verde” nem entre os exigentes consumidores europeus. Ela cita uma pesquisa feita em um supermercado europeu. “Ao repórter, todos os entrevistados declararam preferir os ovos de galinhas sem gaiolas, mas, na hora da compra, uma câmera escondida mostrava que eles levavam o ovo convencional, mais barato.”

 

Aliás, a crise no setor de ovos devido ao aumento dos custos de produção não é exclusiva dos produtores brasileiros. Reportagem publicada no final de março  por um dos principais jornais da Inglaterra, o The Guardian, mostra que os criadores de aves livres estão apelando aos supermercados para aumentar o preço da caixa de ovos ou boa parte dos produtores, especialmente os menores, irão logo à falência. Eles alegam que a disponibilidade de ovos britânicos nas prateleiras dos supermercados está seriamente ameaçada se os custos crescentes para as fazendas não puderem ser repassados. Nos custos, citam aumentos de 50% na ração e de 40% na energia.

 

Segundo o jornal, o plantel inglês, incluindo as aves engaioladas, já diminuiu cerca de 4 milhões de aves no ano passado e os produtores de ovos de galinhas criadas ao ar livre ainda enfrentam um custo adicional por ter que manter as aves dentro de galpões devido a um grave surto de gripe aviária.

 

Veras, o presidente-executivo do IOB, estima em 2% o plantel de galinhas livres no mundo, concentrados nos EUA e Europa. Em sua opinião, esse modelo não deve avançar muito porque os países com menor poder aquisitivo não conseguem pagar o preço dessa produção diferenciada.

 

Fonte: Revista Globo Rural