Quinta, 10 Novembro 2016 10:08

Ameaça protecionista de Trump preocupa, mas cenário é incerto

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Ainda que em um primeiro momento a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos tenha provocado arrepios no mercado financeiro e contaminado negativamente os preços das commodities, como reflexo de uma onda de aversão a risco, a real influência que o novo e controverso inquilino da Casa Branca terá sobre o setor de agronegócios no mundo e no Brasil no longo prazo é uma incógnita.

 

É difícil, porém, imaginar que nada vai mudar. Se há pouco espaço para guinadas nos rumos da política agrícola definidos pela "Farm Bill" americana - apesar de Trump ter acenado com queda de impostos rurais e, eventualmente, mais subsídios ao produtor "puro sangue" do Meio Oeste -, ou na estratégia para os biocombustíveis, ainda que os republicanos em geral defendam as energias renováveis, no comércio internacional os muros de Trump têm boas chances de se multiplicar.

 

"Nessa área ele vai mexer. Se caminhávamos para negociações cada vez mais baseadas em questões sanitárias [como a que levou à abertura do comércio bilateral de carne bovina in natura entre EUA e Brasil] certamente agora teremos o impacto de eventuais aberturas sobre a economia americana pesando muito mais na balança", afirma André Nassar, diretor da consultoria Agroicone e ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura.

 

"Ainda precisamos ver se o personagem das eleições será ou não o presidente, mas uma onda protecionista pode até gerar problemas aos EUA. Uma onda como essa tende a reduzir o comércio e pode gerar um desaquecimento econômico global com força para até para reduzir os preços das commodities agrícolas, ainda que os alimentos sofram menos nesse tipo de crise", diz Alexandre Mendonça de Barros, diretor da MB Agro, braço da MB Associados.

 

Um executivo de uma grande trading internacional, lembra, por exemplo, que se Trump cumprir a ameaça de rever o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) pode até criar mais espaço para as exportações brasileiras de carne de frango para o México, hoje abastecido pelos EUA, ou de suco de laranja para o próprio mercado americano, que tem comprado volumes expressivos sem tarifa de México, Costa Rica e Belize - o Brasil paga US$ 415 por tonelada. "E tudo tem limite no mundo contemporâneo. Ele vai encontrar muita resistência para aprofundar o protecionismo dos EUA, que já existe em muitas áreas", diz Fabio Silveira, diretor da consultoria MacroSector.

 

"O espaço que conquistamos na Ásia continuará sólido. A Rússia poderá reatar negociações com os EUA, mas manteremos nosso espaço para carne de aves e suínos pela excelência da sanidade dos nossos produtos. E poderemos avançar, especialmente considerando países como o México. Na avicultura, os EUA são os maiores produtores e nós os maiores exportadores do mundo. Nossa relação é de parceria, mesmo que nossos mercados não estejam abertos um para o outro", afirma Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e ex-ministro da Agricultura.

 

"Como o Trump tem um perfil protecionista, é a alta a chance de algum tipo de subsídio ser retomado para o algodão, por exemplo, até por conta da derrota que os EUA sofreram para o Brasil na OMC [Organização Mundial do Comércio] em razão do apoio que ofereciam aos cotonicultores", afirma Frederico Favacho, sócio do escritório Favacho, Massarente Silva Jr. Advogados. No que se refere ao arcabouço americano de ajudas ao setor rural, completa Alexandre Mendonça de Barros, em tese até a esvaziada política de preços mínimos estabelecidos por Washington poderá ser revigorada.

 

Dadas as incertezas, portanto, é temerário arriscar qualquer tendência de mudança para o comportamento dos preços agrícolas internacionais. É esperar para ver. "Na minha opinião, o mercado se acomoda. Tudo vai depender da transição entre os dois governos e dos discursos que Trump fizer nesse período. Ainda assim, não é algo que mostre uma mudança efetiva de tendência e de patamar [para as cotações]", afirma Glauco Monte, da FCStone. Ele lembra, de qualquer forma, que Trump conta com o apoio do setor agrícola americano e vai procurar mantê-lo.


Fonte: Valor Econômico