Terça, 26 Julho 2022 15:29

Os dilemas da alimentação num mundo pós-pandemia

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Por Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) 

 

Há um inegável clima de superação no ar. Depois de dois anos de sofrimento, perdas de vidas e impactos socioeconômicos inevitáveis, voltamos a ver o rosto das pessoas nas ruas. A covid-19 segue no nosso entorno, mas – ao menos no Brasil – temos aprendido a conviver com a enfermidade de forma endêmica. É uma vitória para a humanidade.

 

O mundo, entretanto, ainda sofre os efeitos nocivos de um forçado processo de “desglobalização”, com disrupções na rede logística e no fluxo de insumos e de mercadorias. Desde 2020 experimentamos a escassez de contêineres, que gerou forte elevação nos custos para o desembaraço de cargas. Essa é só a ponta do iceberg de uma série de fatores que encarecem a produção e o comércio de alimentos, a partir da mais recente crise sanitária.

 

As adequações em ambientes produtivos, como barreiras sanitárias, distanciamento e equipamentos de proteção individual adicionais demandaram investimentos bilionários. As travas logísticas também tornaram mais elevados os custos de determinados insumos, como papelão e embalagens plásticas, que tiveram aumentos superiores a 80%. O câmbio mais desvalorizado pulverizou efeitos em toda a cadeia agroindustrial, com especial atenção para o preço dos combustíveis, que agora experimentam os mais elevados patamares registrados.

 

Paralelamente aos efeitos do quadro pandêmico, novos problemas se somaram às cadeias produtivas. No caso das agroindústrias de aves, suínos e ovos do Brasil, o efeito mais grave veio pelas altas históricas do preço do milho e do farelo de soja, com elevações próximas a 150% nos últimos 20 meses. Esses dois insumos básicos representam 70% dos custos de produção agropecuários destes alimentos. O conflito no leste europeu também agravou o quadro, com elevação de 10% nos preços dos insumos para o mercado brasileiro.

 

Em cada continente os problemas se repetem. O efeito inflacionário que alcança a produção de alimentos fora do Brasil, entretanto, tem ainda outros catalisadores. Nações onde, diferentemente daqui, as atividades de produção de alimentos foram temporariamente suspensas diante da pandemia enfrentam, agora, dificuldades para a retomada. Exemplo direto dessa paralisia é o caso do Reino Unido. A conjunção de menor disponibilidade de mão de obra e uma série de entraves levou indústrias a pararem momentaneamente. Com isso, suinocultores ficaram sem alternativas para o abate.

 

Ao mesmo tempo que ocorre a suspensão gradativa das medidas de distanciamento social ao redor do planeta, outra situação sanitária ganha corpo: o alastramento de casos de influenza aviária. Mal se recuperou dos efeitos da peste suína africana – outra enfermidade severa, que dizimou parte do rebanho global de suínos –, o abastecimento global agora está face a face com outro grande obstáculo.

 

Os três países da América do Norte, em especial os Estados Unidos – maior produtor mundial e segundo maior exportador de carne de frango – enfrentam uma situação crítica, com focos espalhados por mais de 40 Estados. Na Europa, a França é o caso mais evidente, com condenação de parte da produção avícola. O quadro já é endêmico em nações da África e da Ásia.

 

Livre de influenza aviária e de peste suína africana e sem suspender o abastecimento na pandemia, o Brasil vive uma situação mais confortável. Fruto da adoção antecipada de medidas protetivas para a saúde dos colaboradores, principalmente. Não falta proteína animal em nossas gôndolas. Por outro lado, não estamos isentos de um inevitável quadro inflacionário, em meio aos efeitos dos custos de produção recordes.

 

A pandemia começa a ficar para trás, mas um novo desafio surge: manter a produção de alimentos a preços mais acessíveis. Ouso dizer que a era da comida barata acabou. E isso não significa dizer que são inviáveis as medidas para reduzir os riscos de novos aumentos de preços. Ao contrário, elas são necessárias e emergenciais. É crucial apostar na previsibilidade de mercado, a exemplo do que Europa e Estados Unidos fazem em relação aos contratos futuros para exportações de grãos.

 

O modelo de informação antecipada ajuda a identificar o que será vendido ao mercado internacional. São iniciativas como esta que preservam o livre-comércio, mas permitem a todas as partes envolvidas caminhar em solo seguro, longe de especulações geradas por boatos de instabilidade no abastecimento. Também viabilizam mais transparência nas formações de preços de commodities.

 

O Brasil é um dos mais experientes e avançados produtores de alimentos no mundo, mas carecemos de maturidade sobre como atuar numa economia aberta. Precisamos construir um ambiente seguro para que seja possível navegar em meio às tempestades do mercado – e não afundar nele. Devemos olhar para alternativas que fortaleçam nossa capacidade competitiva industrial. E a ampla oferta de dados é uma delas. Isso é bom para consumidores, para a indústria e para produtores. É o famoso “ganha-ganha”.

 

Fonte: Estadão