Terça, 28 Fevereiro 2023 00:00

Gripe Aviária em países vizinhos acende o sinal de alerta para o Brasil

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Nos últimos dias, a Argentina e o Uruguai confirmaram casos de influenza aviária, ou gripe aviária, como é popularmente conhecida. Em ambos os países, a doença foi identificada em aves silvestres, encontradas mortas em parques nacionais. Ainda que a gripe não tenha sido detectada em granjas comerciais, a notícia é preocupante porque mostra o vírus causador da doença cada vez mais perto das fronteiras brasileiras. Em 2022, outros países da América do Sul, como Bolívia, Chile, Equador, Peru e Venezuela, também haviam registrado focos dessa doença altamente contagiosa que já se espalhou pela Ásia, pela Europa e pelos Estados Unidos.

 

As aves silvestres, como patos, gansos e cisnes, são hospedeiras naturais do vírus da influenza do tipo A e de seus vários subtipos. As aves migratórias são os principais vetores de transmissão da doença, que pode atingir as aves domésticas e, mais raramente, os humanos. As consequências podem ser especialmente desastrosas quando os surtos da doença atingem a avicultura comercial.

 

Maior exportador de carne de frango do mundo, o Brasil é um dos poucos países entre os grandes produtores que nunca registraram um caso de gripe aviária. Atualmente, tem passe livre para exportar sua produção para cerca de 150 países, obtendo uma receita anual da ordem de 7,6 bilhões de dólares. Qual seria o impacto caso o país venha a ser visitado pelo vírus letal?

 

“O país tem um plano de vigilância, que busca detectar precocemente a doença, monitorando os sítios de aves migratórias e realizando a coleta periódica de materiais para identificar a presença do vírus”, diz a zootecnista Sulivan Alves, diretora técnica da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e professora de economia da saúde animal em cursos executivos oferecidos pelo Insper. “Uma vez que a doença entre no Brasil, caso seja detectada em aves silvestres, isso não alteraria em nada o atual status sanitário do país.”

 

Sulivan observa que, com o vírus da influenza se espalhando por um número cada vez maior de países, os mercados importadores estão se tornando mais flexíveis. Se antes exigiam a certificação de país livre da gripe aviária, a tendência agora é aceitarem negociar com países que conseguirem estabelecer regiões ou zonas livres da doença.

 

Confira na entrevista a seguir:

 

O Brasil nunca registrou um caso da gripe aviária e mantém o status de país livre da doença. Como as empresas associadas à ABPA receberam a notícia da descoberta de casos de gripe aviária em países tão próximos como a Argentina e o Uruguai?

Nós já estávamos atentos porque outros países da América do Sul, como a Bolívia, o Chile e o Equador, haviam relatado surtos da doença no fim do ano passado. É claro que as recentes ocorrências na Argentina e no Uruguai aumentam a nossa preocupação, por causa da maior proximidade com nossas principais regiões produtoras, mas não alteram os procedimentos que as empresas do setor já vinham aplicando. Os protocolos de biosseguridade do Brasil são rigorosos e incluem medidas como o isolamento das instalações e o controle do fluxo de pessoas, a desinfecção de veículos e a instalação de proteções nas propriedades contra aves silvestres. Desde a confirmação de casos nas Américas, reforçamos as medidas e adotamos a proibição total de visitas às granjas e unidades produtoras. O governo também expandiu o monitoramento que já vinha realizando.

 

Na prática, o que acontece quando se identifica um caso de gripe aviária como ocorreu na Argentina? Os países importadores imediatamente impõem restrições contra esse país?

Pelas regras da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), quando a influenza aviária de alta patogenicidade [que tem taxa de mortalidade súbita e elevada] atinge aves silvestres ou aves de subsistência, não há alteração no status sanitário do país. O mesmo acontece em qualquer caso se a influenza for de baixa patogenicidade. Mas quando a influenza de alta patogenicidade atinge aves produzidas em escala comercial, pode haver a suspensão imediata da importação daquele país, dependendo do tipo de acordo bilateral vigente com cada mercado. Isso traz um impacto muito grande em toda a cadeia. Produtos prontos para exportação acabam retidos no mercado interno, desequilibrando a oferta e a demanda.

 

Só que, com o avanço da doença em vários países, já houve uma flexibilização dos acordos bilaterais. Hoje já não existem grandes mercados consumidores que só compram de país livre da doença. Em vez de banir por completo as importações de um país onde foi registrada uma ocorrência, veta-se a compra somente das zonas infectadas. Quando ocorre um foco em aves comerciais, os animais acometidos e os expostos à doença são sacrificados e essa área deve ser isolada, criando as zonas de contenção e de proteção da enfermidade. Desde que o país tenha capacidade de demonstrar que efetivamente conseguiu isolar essa área e atender às premissas determinadas pela OMSA, poderá continuar exportando. É o conceito de zoneamento ou regionalização.

 

Outro conceito que se estabeleceu dentro das regras da OMSA é o de compartimento livre. Um estabelecimento pode obter um status sanitário de livre de influenza aviária caso adote procedimentos adicionais de biosseguridade. Esse conceito, porém, é mais restrito, tendo sido mais aplicado pelas casas genéticas que produzem animais reprodutores.

 

O Brasil está na rota de muitas espécies de aves migratórias, que são os principais vetores da doença. Sendo assim, não é difícil imaginar que, cedo ou tarde, a gripe aviária poderá chegar ao Brasil. O país está preparado para isso?

Sim. O país tem um plano de vigilância, que busca detectar precocemente a doença, monitorando os sítios de aves migratórias e realizando a coleta periódica de materiais para identificar a presença do vírus. Uma vez que a doença entre no Brasil, caso seja detectada em aves silvestres, isso não alteraria em nada o atual status sanitário do país. É possível que um ou outro país, por precaução ou até mesmo por uma questão protecionista, venha a suspender as importações do Brasil por algum tempo, mas isso não encontra respaldo nas regras da OMSA. Uma vez identificada a ocorrência da gripe em animais silvestres em nosso território, o que nos cabe é reforçar, com muito mais rigor, todos os procedimentos para evitar que a doença chegue ao sistema de produção comercial. Mas o risco sempre existe, já que estamos falando de um vírus que tem alta resistência e é disseminado especialmente por aves silvestres. Se hoje muitos países têm focos da doença, não foi necessariamente por desleixo. Por outro lado, como já mencionei anteriormente, existem países com surto ativo e que possuem compartimentos livres em seu território, numa prova de que as medidas de biosseguridade para conter a doença podem, de fato, ser efetivas.

 

No Brasil, a produção de carne de frango se concentra nos estados do Sul, uma concentração que é ainda mais proeminente nas exportações. Qual seria o impacto da ocorrência de gripe aviária nessas regiões?

Caso os nossos principais polos produtivos sejam afetados, com certeza o impacto seria grande. Pode haver interferência na oferta de produtos no mercado nacional, uma vez que alguns países, de imediato, poderiam suspender as importações do Brasil. Com o produto retido no mercado interno, teríamos uma superoferta, e toda a dinâmica de mercado seria alterada. No mercado externo, o impacto iria depender dos acordos estabelecidos. Alguns poucos importadores ainda exigem a certificação de país livre de influenza aviária. Outros países vão exigir comprovações de que foi estabelecida uma zona livre da doença e que o produto que estão comprando provém dessa região. De modo geral, um país que nunca teve influenza aviária pode recuperar seu status em 28 dias, desde que implemente todas as medidas que chamamos de “stamping out” — a eliminação do vírus por meio de uma combinação de sacrifício do lote infectado, desinfecção de todo o estabelecimento e destruição preventiva dos lotes localizados a uma certa distância.

 

No passado recente, observamos que grandes produtores de aves, como os Estados Unidos e a União Europeia, não sofreram uma repercussão negativa muito grande em termos de queda nas exportações mesmo depois de registrar casos de gripe aviária.

De fato, o impacto nas exportações depende das relações comerciais e dos acordos bilaterais entre os países envolvidos. O Japão, por exemplo, estabelece em suas relações comerciais com os Estados Unidos apenas a suspensão das importações de carne de alguns estados ou mesmo de condados americanos. Isso também tem sido aplicado por outros países. Ou seja, a restrição às importações foi relativamente pequena. Então, tudo depende das relações comerciais entre os parceiros e do nível de confiança que o país produtor consegue passar para o importador em termos do controle sanitário que exerce em seu território.

 

E como se encontra o Brasil nesse aspecto de relacionamento com os países importadores?

O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo que mantêm o status sanitário diferenciado de nunca ter registrado a influenza aviária. Muitos países que importam do Brasil têm focos de influenza aviária. Portanto, não seria justo esses países importadores exigirem de um país produtor um quesito que nem mesmo eles conseguem cumprir, ou seja, de serem livres da doença. Acredito que a tendência é que os países compradores diminuam as restrições em relação à ocorrência da doença.  Isso não significa que eles vão relaxar os requisitos, mas, à medida que o mundo conhece mais sobre as formas de controle da doença, os mercados que antes exigiam que a carne fosse proveniente de países livres da enfermidade vão aceitar comprar de países que estabeleçam zonas livres. O Brasil já tem feito tratativas para rever os textos dos acordos bilaterais de modo que os importadores aceitem as garantias oferecidas no zoneamento ou no compartimento.

 

De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde, nos últimos 20 anos, houve 868 casos de infecção humana pelo vírus da influenza aviária, relatados em 21 países. Desses casos, 457 resultaram em óbito. Dá para dizer que o risco da gripe aviária para a saúde humana é relativamente baixo?

A maioria desses casos, se não todos, possivelmente atingiu pessoas que manipularam animais doentes, ou que tinham convívio muito próximo com eles. A mortalidade dos animais afetados pela influenza é muito rápida. Ao primeiro sinal de que existe algo de errado com as aves, o serviço veterinário oficial é notificado. Não valeria a pena um produtor esconder a ocorrência da doença, que é letal e de rápida disseminação. Os animais doentes são sacrificados para evitar que o vírus se espalhe para plantéis saudáveis e essa carne não vai chegar à mesa do consumidor. E, mesmo que chegasse, não haveria risco de consumi-la desde que a carne seja preparada de maneira apropriada, seguindo as regras normais de higiene.

 

Cabe mencionar, ainda, que a enfermidade é um problema que ocorre no âmbito da granja. Todos os grandes órgãos relacionados à alimentação (como FAO, USDA e EFSA) realizaram estudos e atestaram a ausência de risco para o consumidor. As pessoas devem continuar a fazer o que sempre fizeram: lavar as mãos antes e depois dos preparos, não usar os utensílios de cárneos no preparo de outros alimentos, para evitar a contaminação cruzada, e cozinhar totalmente os alimentos.

 

Fonte: Insper