Terça, 07 Março 2023 23:10

Gripe aviária: surto exige atenção, mas especialistas não acreditam no risco de nova pandemia

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A morte de uma menina de 11 anos no sul do Camboja, na última semana, após ser infectada com a gripe aviária A (H5N1), aumentou o alerta sobre uma nova pandemia. Cientistas estavam inicialmente preocupados que ela pudesse ter sido infectada com o vírus circulante que se espalha em algumas espécies de mamíferos e contaminou um punhado de pessoas desde 2020. Mas especialistas ouvidos pelo GLOBO indicam que o cenário é muito diferente do que antecedeu a pandemia de Covid, há três anos.

 

O Ministério da Saúde do Camboja pesquisou 12 de seus contatos próximos e apenas seu pai, de 49 anos, testou positivo. As infecções por H5N1 geralmente ocorrem em pessoas que estiveram em contato próximo com aves domésticas e, até o momento, não há evidências de que essa cepa tenha se espalhado entre as pessoas.

 

— O sequenciamento do genoma feito na semana em que a menina faleceu mostra o mesmo sequenciamento da endemia em animais do Camboja. E apesar da carga viral do pai ser igual à da filha, especialistas do país continuam acreditando na hipótese de ter sido transmitido por animais. O que se sabe é que a família criava cerca de 20 aves em casa — afirma Salmo Raskin, médico geneticista e diretor do Genetika.

 

A Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH na sigla em inglês), comunicou, em um relatório do último mês, que há número crescente de casos de gripe aviária em mamíferos, “causando morbidade e mortalidade” em espécies como lontras e focas. Relatos de infecções em visons de uma criação na Espanha aumentaram as preocupações, visto o grande número de animais mantidos próximos e a alta transmissibilidade, aumentando as chances de criação de uma mutação.

 

Os vírus, especialmente os de RNA, como o da influenza, se adaptam rapidamente a um novo hospedeiro. Um transbordamento indica que o vírus agora tem a chance de se adaptar a um novo hospedeiro. Essa adaptação pode resultar em uma nova cepa capaz de transmitir a doença de pessoa para pessoa.

 

Surtos em fazendas ameaçam a segurança alimentar e oferecem oportunidades para o vírus se espalhar para os trabalhadores agrícolas. Durante décadas, a doença foi controlada por meio do abate dos animais infectados. Mas agora, com muitos países enfrentando surtos em dezenas de fazendas todos os meses, isso está se tornando insustentável, impactando diretamente na economia.

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde, 873 casos humanos de infecção por influenza A (H5N1) e 458 mortes foram relatados em 21 países nos últimos 20 anos.

 

“Quase todos os casos de infecção por Influenza A (H5N1) em pessoas foram associados a contato próximo com aves infectadas, vivas ou mortas, ou ambientes contaminados por Influenza A (H5N1). Com base nas evidências até agora, o vírus não infecta humanos facilmente e a propagação de pessoa para pessoa parece ser incomum”, diz a OMS.

— Precisamos estar sempre vigilantes, apesar de não haver nenhum tipo de recombinação genética da H5N1 capaz de ser passada de humano para humano. E apesar do número de mais de 400 mortes, é preciso analisar contexto e tempo. Os óbitos foram contabilizados durante 20 anos, além disso, a maioria dos infectados tinha contato com aves — analisa o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo.

 

O relatório da WOAH ainda explica que “a gripe aviária é um problema recorrente” caracterizado por “surtos sazonais esporádicos”. Mas o alerta permanece, especialmente às autoridades de saúde animal.

 

— Não há qualquer registro da doença em aves ou mamíferos brasileiros. No nosso país existe uma grande vigilância veterinária que monitora esses casos. É possível dormir tranquilo mesmo que você conviva com esses animais, basta sempre analisar qualquer indício — finaliza Chebabo.

 

Nova pandemia

Dados da revista Nature mostram que mais de 50 milhões de aves domésticas morreram da doença ou foram mortas para conter a doença nos Estados Unidos — número semelhante ao da Europa — desde o início de 2022. Mesmo que especialistas afirmem que as infecções em humanos não são alarmantes, a pergunta que resta é: a gripe aviária pode ser interrompida antes de virar uma nova pandemia? Como?

 

Antecipar-se a isso e bloquear qualquer potencial de transmissão, bem como entender o que o vírus faz em seu novo hospedeiro, é extremamente importante. O aprendizado com a Covid e a produção de vacinas também ajudam a diminuir o pânico de uma nova pandemia.

 

Filipe Piastrelli, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, explica não haver motivos para pânico.

 

— Devemos ficar vigilantes, afinal, é um vírus de contágio pandêmico, porém aprendemos muito com a Covid-19 em relação aos estudos e produção de vacinas e, por ora, não há evidências de contágio de humano para humano — diz Piastrelli, que acrescenta: — Três anos atrás poderia ser um grande problema, mas hoje existe um arsenal de enfrentamento muito maior, especialmente falando no campo de análises, como as tecnologias de biologia molecular e estudo de genomas.

 

Fonte: O Globo