Terça, 06 Setembro 2016 11:06

Nos EUA, sobra milho para todos os fins

Avalie este item
(0 votos)

Há alguns anos, a discussão "alimento x combustível" dominava Washington. Era centrada na possibilidade de o mandato do etanol do governo americano reduzir a então pequena oferta de milho do país e alavancar os preços dos alimentos.

 

Desde então, as refinarias têm produzido com o grão volumes recorde de etanol, que superam 1 milhão de barris por dia. E o aumento não para. Neste ano, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) prevê que a indústria americana de etanol vai consumir 134 milhões de toneladas de milho, ou 35% da produção doméstica total.

 

Mesmo assim, na semana passada a cotação da commodity o milho caiu para pouco mais de US$ 3 o bushel na bolsa de Chicago, nível nunca visto desde que a aprovação do mandato do etanol, em 2007 - que, através do Padrão de Combustível Renovável (RFS), determina que as refinarias americanas misturem grandes quantidades do biocombustível de milho à gasolina. Nos supermercados, diz o USDA, os alimentos também vão subir menos de 1% em 2016, patamar bastante inferior à média histórica.

 

Esse movimento deriva de uma simples razão: os EUA estão às vésperas de colher uma colossal safra de milho. O USDA prevê que a colheita totalizará 384,9 milhões de toneladas nesta safra 2016/17, o que ainda deverá deixar um excedente da ordem de 61 milhões de toneladas para o ciclo 2017/18.

 

O economista Scott Irwin, da Universidade de Illinois, diz que o mercado do grão conseguiu absorver a forte demanda por parte da indústria de etanol porque os agricultores ampliaram a área plantada e a produtividade das lavouras, com a ajuda de um clima favorável.

 

Outro fator é a acomodação do mandato do etanol. A lei previa um aumento do uso do biocombustível feito a partir do milho de 34 bilhões de litros, em 2008, para um platô de 57 bilhões de litros em 2016. Mas a Casa Branca reduziu essa meta para 55 bilhões de litros neste ano - e, de acordo com a Renewable Fuels Association, a produção dos EUA deverá atingir 57,5 bilhões de litros.

 

"A produção de etanol cresceu exatamente quando imaginávamos que permaneceria estável", diz Joseph Glauber, pesquisador visitante-sênior do International Food Policy Research Institute.

 

Ainda assim, uma frente formada por empresas de alimentos, petrolíferas, centros de análise e grupos ambientalistas quer que o Congresso americano revogue o RFS. Para Dave Juday, consultor do Conselho Nacional do Frango dos EUA, a preocupação é que o período de abundância de alimentos para as aves não dure. "Estamos a mais uma seca, geada ou enchente de distância de outra crise", diz ele.

 

Geoff Cooper, representante da Renewable Fuels Association, reconhece que a demanda de parte da indústria do etanol ajuda a sustentar os preços do milho. Mas que o grão a pouco mais de US$ 3 o bushel, uma grande oferta de alimentos e uma sólida produção de etanol "deverão ser a pá de cal da discussão 'alimento x combustível'".

 

"Acho que não há qualquer pessoa hoje capaz de argumentar, seriamente, que o setor do etanol é, de certa forma, um impulsionador fundamental dos preços anormais dos alimentos ou o causador de altos preços dos alimentos", diz ele.

 

O colapso dos preços do petróleo teve um duplo efeito sobre os mercados de etanol de milho. A gasolina americana é misturada de modo a conter cerca de 10% de etanol, portanto a alta demanda nos postos elevou as vendas do biocombustível feito a partir do grão. Mas a gasolina no atacado é mais barata que o etanol, o que diminui o consumo além do necessário a fim de cumprir as regulamentações do mandato do etanol e ligadas à qualidade do ar.

 

Com os tratores se preparando para a colheita da safra 2016/17 no Meio-Oeste americano, haverá enormes volumes de milho à disposição. "A demanda adicional dos produtores de etanol favorece os preços do milho", afirma o economista Bruce Babcock, da Universidade Estadual de Iowa. "Mas a oferta vai superar muito essa demanda", diz ele. De qualquer forma, a discussão "alimento x combustível" está perdendo parte de seu poder de fogo.

 

Fonte: Financial Times - Gregory Meyer